Direito à participação política 2018-12-07T15:29:42+00:00

Direito à participação política

//Envolver
//Mobilizar
//Incidir
//Influenciar políticas locais
//Influenciar políticas públicas

“A inovação política é a saída e a periferia, a chave”
Rayanne, Ceilândia

Os laboratórios de direitos apresentados anteriormente – direito à existência, direito à educação, cultura e memória e direito à economia e ao bem viver – prototipam as políticas públicas pautadas na gestão das urgências.

Essas prototipagens, ações e iniciativas mostram dois lados da democracia: de um lado o atraso, onde o processo democrático já deveria ter garantido os direitos constitucionais, e que na prática ainda permanecem no papel; e do outro, a oportunidade de aceleração, pois são ações que impactam diretamente na redução das desigualdades. Como incidir em programas e políticas públicas a partir das ações que na prática garantem esses direitos?

“A periferia é lócus de construção de alternativas.”
Thaísa, Recife

Nas iniciativas que chamamos de laboratórios de participação, se dá o encontro entre a incidência da sociedade civil e a viabilização das experimentações e ações como políticas públicas. São participações na construção de leis e programas a partir da incidência em conselhos participativos, articulações, advocacy e incidência com os poderes executivo, legislativo e judiciário.

“A política que eles olham é apenas aquela política do eu quero sempre mais, eu vou falar com esse deputado que é o meu amigo, eu te dou tanto, mas eu quero essa licitação para mim. Então, isso para mim não é política, isso é corrupção. A periferia é política, a periferia é luta, é resistência. É da periferia que estão saindo os grandes debates. São pessoas da periferia, são mulheres, são negras e negros. É a minoria em direitos e a maioria populacional. Eu creio que a política do futuro está na periferia.”
Luiza, Recife

“O exemplo mais forte que eu já tive até hoje de política institucional é de ter uma oportunidade de me reunir com um secretário da cidade de São Paulo para discutir o rumo de uma política pública. E foi forte não só porque ele estava me escutando, mas porque ele demonstrou o entendimento que aquela política pública não teria o valor devido sem a minha e a participação de outras pessoas. Esse olhar coletivo é o que pode transformar o Estado, a transformação não vai sair de dentro dele, vai sair de fora.”
Ronaldo, São Paulo

Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas (INNPD)

A INNPD – discute alternativas para a política sobre drogas levando em consideração que a “guerra às drogas” promove o genocídio e o encarceramento da população negra, atuando principalmente nas periferias da cidade de São Paulo.

O papel da cultura na articulação

Os editais e as leis de fomento à cultura são políticas públicas que se mostram atualmente como um dos principais exemplos de caminho para o exercício de gestão compartilhada do orçamento público. Elas são frutos de articulações da categoria cultural e de conquistas ao longo dos anos. As leis de fomento ao teatro e à dança em São Paulo são exemplos desse processos. Vários entrevistados de São Paulo trazem o VAI (Lei do VAI, Valorização de Iniciativas Culturais, em vigor desde 2004). como um fundamental mecanismo de acesso à recursos públicos e de apoio às iniciativas.

“A ideia do teatro vocacional naquela época, que acontecia nos CEUs, era contar a história daquele bairro, envolver as crianças, adolescentes do bairro. Começou a ter teatro nessa época aí, os primeiros anos da década de 2000, de 2000 até 2010, e vários grupos culturais começaram a pipocar no bairro, vários grupos de teatro, de dança, de música, e também com outra política, que é o VAI. A gente na periferia teve coisas muito importantes nesse momento, e eu acho que todo mundo que está na periferia bebeu pelo menos um pouquinho disso.”
Jéssica, São Paulo

“Aí veio o programa VAI, a gente conseguiu ser aprovado, depois de várias tentativas a gente conseguiu ser aprovado.Conseguiu melhorar o equipamento, tudo na garagem. Aí chamava a gente para bater papo, não só pra tocar, mas levava o Dexter lá, juntou a molecada pra trocar ideia, levou o Gaspar, levou o GOG, isso na garagem.”
Márcio, São Paulo

Esse exercício de articulação e de gestão de recursos públicos organizados a partir da cultura, gerou um grande experimento que foi a formulação a partir da sociedade civil organizada, intitulada de “Movimento Cultural das Periferias”, da Lei de Fomento a Cultura da Periferia (Lei nº 16.496/2016 em vigor desde 2016).

“(O Movimento Cultural das Periferias) tinha escrito, estavam num processo que a galera colou nas quebradas pra poder apresentar a lei e perguntar para galera, e aí, pessoal, vocês acham que está massa? Foi meio que uma escuta que a galera fez… foi tipo um processo de escuta, sabe? E foi um processo daora, foi foda mesmo, e fortaleceu.O Movimento Cultural foi uma faculdade de políticas públicas porque deu muito embasamento para a gente pensar em “n” coisas que a gente faz hoje.”
Jesus, São Paulo

Mas existem outras leis, como por exemplo a Lei Rouanet, de isenção fiscal para incentivo à cultura, que ainda não cumpre seu papel na redução das desigualdades porque não valoriza a produção cultural periférica.

“Aí você vai no patrocinador, o cara olha assim e fala “pô, se vocês fizessem no centro, até que era melhor para nós, porque aí a gente tem mais retorno de mídia”. Entendeu como é que funciona? Então o cara está olhando para você como retorno de mídia. Aí você vai ter que conseguir achar um empresário que vai ter até uma visão de mercado, falar “não, é importante estar lá, porque nosso produto também tem que estar lá”.
Antônio, Brasília

Outras leis, não apenas as relacionadas à cultura, também revelam dificuldade na redução das desigualdades.

“Infelizmente a Lei Complementar 150 já foi aprovada com uma certa discriminação, os outros trabalhadores têm direito a 5 parcelas do seguro-desemprego no valor do salário que ele recebia. Nós (trabalhadoras domésticas) só temos direitos a 3no valor de um salário mínimo. Então, isso aí foi altamente discriminatório para a gente.”
Luiza, Recife

O que fica claro em todas as alternativas, programas, incentivos, leis e ações do governo, é que é fundamental a participação de quem articula e promove ações no território – de dentro para dentro ou de dentro para fora – ou seja: deve ser formulado e pactuado com as periferias, as necessidades, desafios e oportunidades.

Casa no Meio do Mundo

Jardim Brasil, Extremo Norte de São Paulo, encostadinho na Serra da Cantareira. O meio do mundo é aqui. Ou melhor, a Casa no Meio do Mundo, um espaço coletivo que articula agentes culturais, comunicadores e pesquisadores periféricos interessados na transformação social a partir de uma perspectiva hiperlocal.

Ingrid Felix e Jesus dos Santos, integrantes do coletivo, têm ciência do que querem. Militantes do Movimento Cultural das Periferias, ajudaram a elaborar uma lei popular de Fomento à Cultura das Periferias, baseada no índice de desenvolvimento humano das quebradas paulistanas. A lei sancionada em 2016 destina mais recursos para manifestações culturais nas regiões menos assistidas pelo poder público.

Essa experiência das ruas, das lutas, alimenta a Casa no Meio do Mundo, que articula e forma sujeitos políticos para seguirem na linha de frente, na disputa por recursos do orçamento municipal para fortalecer o desenvolvimento local, de forma horizontal e com afeto como partes fundamentais desse processo. “Antes, os representantes que estavam onde a gente não estava falavam por nós. Hoje, nós estamos falando por nós, dos nossos locais de fala”, aponta Jesus.

Hércules Laino, Rayane e Monique Evelle

Jovem de Expressão

Rayane da Silva Soares está há cinco anos no Jovem de Expressão. Ela entrou como educanda da oficina de audiovisual por meio de uma amiga, se tornou funcionária e hoje está na coordenação.

O programa foi criado em 2007, a partir de uma pesquisa que demonstrou como a violência afeta a juventude. Sua tecnologia social uniu a promoção da saúde ao potencial criativo de pessoas entre 18 e 29 anos e sua capacidade única de gerar respostas, promovendo a colaboração e autonomia da juventude por meio de oficinas e ações culturais.

Para Rayane, formada em pedagogia e cujo contato com a política se deu ainda na escola quando participou do movimento estudantil, é de lugares como esse que virão as lideranças políticas que representam a população.

“A mudança vai vir do Estado, mas não das pessoas que estão lá agora. São dessas pessoas que estão entrando nas universidades, são desses jovens que estão fazendo trabalho de base nas comunidades e ocupando esses espaços, porque os que estão lá agora não querem não, não querem mudar”, diz ela.

Espaços de formação

Locais e espaços de formação cultural, política e de convivência como os CEUs em São Paulo, CCJ em Recife, Jovem de Expressão em Brasília, são fundamentais para aumentar a participação política.

“Foi importante pra mim ter entrado no CCJ e eu ter me visto, eu me encontrei ali, na realidade. E aí eu tô lá até hoje e num saio, as pessoas não me deixam, também. Então assim, o CCJ foi a porta de tudo, a porta de entrada pra vários espaços onde eu participo, como pra minha vida social mesmo, político, assim, sabe. E como isso é importante deixar bem claro como coletivos e organizações que trabalham com juventude, salvam vidas. Porque eu não sei, se eu não tivesse conseguido encontrar essa porta, não sei o que eu seria hoje, não sei se eu já teria virado estatística.”
Jéssica, Recife

“As desabrigadas daqui estão dentro das nossas discussões do tema política, participando dos nosso atos. Às vezes uma abrigada que chegou aqui de repente mais quietinha e agora ela ta conseguindo reivindicar os direitos dela, tá metendo o pé na porta, não aceitando menos do que ela quer.”
Clarice, Belo Horizonte

Metodologias de participação

// pedagogia política 
// mobilização

“Se dependesse, obviamente da galera, da população pobre, preta, indígena, brancos pobres que estão na mesma vibe e que de repente estão pensando em um projeto de nação mais inclusiva, mais participativa, obviamente o país estaria em uma situação muito diferente da que está hoje. Então, você tem um processo que é muito foda, um olhar mais interessado nessa população quando se estabelece em 1988 a nova Constituição. Porque aí é uma democracia, não tem como você pensar uma democracia sem participação plena do povo.”
Tadeu, São Paulo

As metodologias de participação social garantem a inclusão e o debate das pautas periféricas e de suas perspectivas. Hoje ainda temos uma pequena quantidade de fazedores dos territórios discutindo e direcionando decisões. Os laboratórios de participação social são aqueles que se organizam para influenciar as políticas públicas a partir do ponto de vista de quem é diretamente impactado pela pauta.

“Nesse universo de política de gestão de recursos cívicos, de águas, o controle de gestão das águas no estado e tudo mais… Ali já rolou pra mim essa coisa muito visível de não ver os grupos que de fato têm problema de acessar saneamento, não estão nem participando desse processo de tomada de decisão. Então você vai em reunião na área de recursos hídricos e é um grupo completamente elitizado de homem branco, engenheiro civil, que discute política de água e saneamento. E aí você vê eles nos conselhos, nas secretarias e tudo mais e a gente: “poxa, é a periferia que não tem água, é comunidade quilombola, é comunidade indígena!”
Tatiana, Belo Horizonte

Em todas as cidades, os conselhos são citados como espaços de formação e incidência. Vale apontar que os conselhos de juventude têm uma natureza especial ao funcionarem de maneira transversal em relação às outras secretarias. Eles têm o papel de interlocutor em relação às diversas pautas como Educação, Cultura, Trabalho, Transportes e Mobilidades, entre as outras todas.

Desenvolver um espaço convidativo depende também de vontade política para que um conselho de juventude não burocratize sua metodologia a ponto de afastar jovens.

Um medo? Não fazer diferença nenhuma.
Um sonho? Fazer toda a diferença.
A política é? Do povo.
A inovação política é? Dos jovens.

“Eu comecei a estudar mais o que era política de juventude. Saber que juventude tem direito, que tem o estatuto da juventude e porque a gente tem direito a um conselho municipal e estadual de juventude, porque a gente tem direito a conferência, os nossos direitos que foram garantidos. Daí a gente começou a pautar o conselho de juventude e votar no conselho Hoje a gente tem uma cadeira no conselho de políticas públicas da juventude e quem tá presente sou eu, e no estadual também. A gente tem uma cadeira no Direitos Humanos. Igualdade racial, política de drogas a gente não tem, mas eu participo das reuniões.”
Jéssica, Recife

“Porque não tem política pública de juventude nesse país, muito menos há 10 anos atrás. A gente salva a molecada quando criança, mas a gente mata eles quando é jovem. Entendeu? Isso mostra a falta de política pública. A taxa de homicídio do jovem brasileiro mostra que não tem política pública de juventude. A pauta que importa sempre vai ser a mesma. É saúde, é segurança pública. Enquanto a gente não quebrar isso, porque a juventude ela é transversal, pô. A juventude, ela é pauta de segurança pública, ela é pauta de saúde pública. Ela é pauta do empreendedorismo de uma nação. Ela passa pela pauta da indústria.”
Antônio, Brasília

“Mobilizar jovem às vezes é uma dificuldade. E assim, a juventude, da forma como a gente estuda, ela é muito dinâmica, né? Então, às vezes a gente pára um pouquinho no tempo e a gente pensa naquele jovem de cinco anos atrás, como ele já não é mais o mesmo.”
Warley, Belo Horizonte

Observatório da Juventude

O Observatório da Juventude da UFMG reúne estudantes, professores e jovens que não estão na vida acadêmica para levantar dados, fazer estudos e incidir em políticas públicas para juventudes da região metropolitana de Belo Horizonte.

Mobilização no território

“A rede é fundamental, eu acho que tem a questão da ferramenta, da tecnologia, que abriu essa possibilidade de você se conectar com pessoas de outras cidades e do mundo. Mas a gente pensa muito, acredito muito no off e no on toda hora.”
Thamyra, Rio de Janeiro

É difícil mensurar o impacto de pequenas mobilizações como rodas de conversa, panfletos e visitas em escolas. Porém, essas ações são apontadas pelos fazedores como muito importantes na articulação do território e nas pautas comuns. Elas não são substituídas por mídia e produção de conteúdo nas redes sociais, são complementares.

“Perus, por exemplo, lutou muito contra um lixão que tinha lá, e nessa época, que foi 2001, as pessoas passavam na minha escola para entregar panfleto. Isso me inspirava enquanto criança. Eumeio que mobilizava as minhas coleguinhas de classe para a gente pensar alguma coisa ambiental dentro da escola, porque estava acontecendo uma mobilização naquele bairro.”
Jéssica, São Paulo

“Eu acho que os movimentos estudantis, eles estão fazendo algo bem legal, porque muitas pessoas jovens começam a ter acesso à política pela questão do movimento estudantil que entra nas escolas.”
Rayanne, Ceilândia

“Velho, vamos focar no nosso território? Em vez de a gente querer expandir, a gente precisa não expandir, a gente precisa apoiar. Então vamos apoiar lá. Vamos lançar um edital para apoiar atividade na praça do cidadão. Vamos lançar edital para apoiar atividades coletivas que estão aí.”
Antônio, Brasília

Família de Rua

O Família de Rua ocupa um viaduto no centro de Belo Horizonte com manifestações do Hip Hop, entre elas uma famosa batalha de MCs, e luta pelo direito à cidade.

A emancipação cidadã

“O processo de reconstrução do tecido social parte do entendimento de que não há um único “salvador” que nos libertará da condição de “cidadãos à espera de um “milagre”. Cidadãos livres do poder patriarcal, independentes, autônomos e conscientes de sua responsabilidade geram o ambiente para que mais pessoas se emancipem”. Esse trecho da pesquisa Emergência Política América Latina explica o processo de emancipação cidadã. No contexto periférico, a gestão das urgências provoca a emancipação dos fazedores e os impulsionam à ação autônoma na construção do processo político.

“A participação é um processo que acontece de forma muito autônoma, quando rola a necessidade. Eu desconhecia o que era Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Sabia que existia. Ponto.”
Marcelo, São Paulo

“Queriam levar os meninos numa exposição e uma maneira da direção da escola barrar a iniciativa foi: “ah, cadê o projeto?” Então, tem essa desigualdade, que é também violenta, né? Daquele que tem a instrumentalização e daquele que não tem de ir ali e elaborar o projeto. Você sabe que, a linguagem é uma maneira das pessoas de ficarem excluídas, né?”
Warley, Belo Horizonte

“Querendo ou não, a comunicação periférica que a gente está se pretendendo fazer é uma inovação, porque não é mais ninguém falando por mim e não é mais ninguém falando o que eu tenho que fazer ou como eu tenho que fazer, sou eu entendendo quais são as minhas necessidades, qual é a minha complexidade, e eu dizendo, talvez esse caminho dê certo, talvez não, mas talvez esse caminho dê certo.”
Jéssica, São Paulo

Nós, Mulheres da Periferia

O coletivo Nós, Mulheres da Periferia aborda questões do cotidiano das mulheres que vivem nas periferias de São Paulo.

A participação é a resposta contra o retrocesso

Existe uma percepção generalizada entre os entrevistados de que o cenário político-social está pautado em retrocessos nos direitos conquistados e na garantia da Constituição Federal.

A gente tá correndo risco de entrar num período muito difícil politicamente falando, de retrocesso, de perder vários direitos que a gente achava que eram nossos. A gente é de uma geração que cresceu com o direito sendo nosso, a gente não teve que conquistar. Fui bolsista pelo Prouni, fiz duas faculdades, meu pai conseguiu casa, carro, não sei o que… porque eu tava inserida dentro desse contexto político-social que me permitiu isso. Eu tenho certeza absoluta que dependendo das eleições deste ano a gente vai ter tipo 90% disso aqui jogado fora e a gente vai ter que correr atrás disso. E aí será que a gente tá preparado pra conquistar isso de novo? Será que eu que passei parte da minha infância e adolescência e comecei minha vida adulta dentro de um sistema que, por todos os defeitos que tinha, tava favorável, será que eu vou estar pronta pra lutar?
Jéssica, São Paulo

“E é isso, a gente não pode parar, por causa dessa retirada de direitos, esse governo ilegítimo que vem retirando direitos de toda a classe trabalhadora, de toda a população brasileira, das pessoas que mais precisam de políticas públicas.”
Luiza, Recife

“Não está tendo democracia, porque tiraram uma pessoa que foi eleita. Foi um golpe, eu acredito que foi um golpe e ainda mais foi um golpe duas vezes, porque era uma mulher. Foi a primeira presidente mulher e essa primeira presidente mulher foi tirada do poder. E isso pra mim foi muito ruim, porque as mulheres já têm poucos espaços e quando ela consegue é tirada.”
Rayanne, Ceilândia

Reconhecimento das políticas públicas como avanço democrático

As políticas públicas no campo social e educacional que o governo do PT proporcionou durante os 13 anos em que esteve no poder, favoreceram às novas gerações no acesso à educação e economia, criando uma geração periférica muito mais preparada para pesquisar, pautar e demandar as necessidades dos territórios.

“Eu não sou petista partidária, mas eu consigo enxergar como na minha trajetória todas essas políticas elas foram fundamentais para que eu esteja aqui falando delas inclusive.”
Jéssica, São Paulo

“Essa repressão toda de não deixar a esquerda se estabelecer é o medo da revolução do povo de fato disputar e ocupar esses espaços de poder. Então, eu acho que ela tem que ser de fora para dentro, e eu acho que a principal maneira de se estabelecer uma revolução no estado é na eleição.
Tadeu, São Paulo

Do invisível ao visível, de fora para dentro do governo

“Até pouco tempo nós (trabalhadoras domésticas) não éramos consideradas da classe trabalhadora, ela é uma categoria invisível. O nosso trabalho continua desvalorizado, agora, invisível nós não somos, nós conseguimos aprovar uma Emenda à Constituição do país, e isso não é pouca coisa, certo?”
Luiza, Recife

Por uma questão de desigualdade na representatividade nos poderes executivo, legislativo, judiciário e imprensa, as pautas periféricas têm pouca visibilidade. É através dos espaços participativos, conquistas na legislação e políticas públicas que se dá o avanço do invisível para o visível, de fora para dentro do governo.

“A mudança da sociedade vindo de dentro do Estado? Sempre que eu tenho oportunidade de fazer alguma intervenção em algum seminário, algum debate, eu digo: “em 2014, quando aquele Congresso foi eleito, eu mesma com a minha pouca escolaridade, com a minha pouca visão política, eu disse: foi o pior dos últimos 25 anos”
Luiza, Recife

Luiza Batista

Sindicato das Domésticas

“A gente tem a oportunidade de mudar se a gente fizer a reforma também no Congresso” – Luiza Batista Pereira, Sindicato das Trabalhadoras Domésticas (Recife)

Luiza Batista Pereira passou uma noite sem dormir. E, acordada, despertou para a política. Isso porque ela não conseguia parar de pensar no que ouviu da presidenta do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Cidade do Recife. “Quer dizer então que a minha aposentadoria, da qual eu não participei dessa luta, não foi de mão beijada?”, questionava-se.

Filha de agricultores muito pobres, Luiza começou a trabalhar como empregada doméstica aos 9 anos de idade. Não teve infância. Aos 36, teve um câncer de mama e ficou afastada do trabalho. Foi quando conheceu o Sindicato. Depois, ao romper um relacionamento que durou 21 anos e quase cair em depressão, ela resolveu voltar a estudar por meio de um curso das próprias sindicalistas. “Foi um divisor de águas na minha vida, que maravilha!”.

Com filhos criados e aposentada por invalidez desde os 43 anos, Luiza se filiou ao Sindicato assim mesmo. E começou a viver. Seguiu com os estudos, participou de marchas em Brasília, seminários e, em 2009, foi convidada a concorrer à presidência da organização – e já está em seu terceiro mandato. Nesse período, acumulou muitas conquistas coletivas, como a estabilidade da trabalhadora doméstica gestante, as férias de 30 dias, o direito de folha aos feriados, a emenda constitucional que reconhece a categoria.

Hoje, aos 62 anos, Luiza sabe que ainda há muito a ser feito diante do retrocesso da garantia de direitos e do racismo, machismo e LGBTfobia, que são estruturais da sociedade – e que isso passa por ocupar os espaços de poder. “A gente não luta só por nós, a gente luta também ao lado dessa minoria que é perseguida, minoria em direitos”.

Mulheres na política

As mulheres representam 52% da população brasileira e apenas 12% do Congresso Nacional, em 2018, é composto por mulheres. Ao mesmo tempo, o Brasil possui a 5ª maior taxa de feminicídio no mundo. Para combater tamanha subrepresentatividade e violência, as fazedoras atuam para tanto para garantir a existência das mulheres quanto para ampliar sua participação nas esferas de poder. Quando uma mulher compreende a importância desse movimento, cria-se um ambiente para o despertar de outras.

“Eu acho que esse é um desafio também, a gente conseguir conciliar isso, a gente conseguir, além de manter essa mulher viva, conseguir manter essa mulher digna e estender isso para todas. É um trabalho, realmente… o desafio é fazer com que esse trabalho se estenda para tudo.”
Clarice, Belo Horizonte

“A Marielle morreu semana passada, na hora foi o baque, e o susto, tipo, caralho e agora, eu tenho uma filha pequena, não posso morrer. Mas depois, é: velho, o fato de ter acontecido como aconteceu vai fazer com que várias outras mulheres tenham ainda mais coragem, saca?”
Hellen, Brasília

“50% de cadeiras (do Congresso) pra mulheres politicamente conscientes…Por mais mulheres negras, mais mulheres de luta, mais mulheres que preencham os vários espaços, os vários aspectos da sociedade. E isso, às vezes a gente fala isso e a galera acha “você só quer mulher de esquerda”, não, tem mulher de direita fazendo debate importante pro que ela acredita, entendeu? E que tá capacitada pra estar ali. Então é isso, eu acrescentaria, faria um desejão, e que a gente tenha 50/50, e esse 50 seja combativo. Combativo, representativo, e que de fato proponha mudanças pro conjunto das mulheres, todas as mulheres. Pras mulheres brancas, pras mulheres negras, pras mulheres periféricas, pras mulheres de classe média, mulheres indígenas, deficientes, enfim, é isso que a gente precisa.”
Thayanne, Brasília

Wellington Amorim, Vanessa Beco, Jéssica Cerqueira e Clarice Filgueiras

Casa Tina Martins

“A gente coloca alguém lá no governo, mas faz a pressão por fora também” – Clarice Filgueiras

Manter a mulher viva. Esse é o desafio das responsáveis pela Casa Tina Martins, um centro de referência independente que presta apoio jurídico, psicológico e abriga mulheres em situação de vulnerabilidade ou vítimas de violência doméstica.

A Casa surgiu em 2016, quando mulheres ocuparam um prédio público abandonado em Belo Horizonte com objetivo de chamar atenção aos casos de feminicídio no Brasil. A ocupação, que era para ser simbólica, durou 87 dias. “Quando o governo federal pediu de volta a casa, a gente falou: bom, vocês vão dar outra coisa pra gente”, lembra Clarice Filgueiras, uma das responsáveis. Segundo ela, não havia como o poder público retroceder, uma vez que elas já tinham construído vínculos com outras mulheres.

Hoje, a Casa Tina Martins é referência até para órgãos governamentais, apesar de ter pouco suporte do Estado – ao menos, por enquanto. A proposta é seguir pressionando e mostrando possibilidades que nascem das demandas reais da população.

Mônica Oliveira, Monique Evelle e Thaisa Agatha

Rede de Mulheres Negras de Pernambuco

“O grande desafio é convencer as pessoas de que, sem elas, não haverá solução”

2015. Milhares de mulheres negras marcham em Brasília por conta do 20 de novembro. E algumas delas que partiram do Recife se reencontraram, discutiram e perceberam a importância de manter o movimento firme. Assim começa a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco (RMNPE), uma articulação sem fins lucrativos que atua contra o racismo, o machismo e pelo bem viver sem violência.

O desafio não é pouco. As mulheres negras são a base da pirâmide social brasileira, as que sofrem com o feminicídio e os homicídios de jovens negros, com o encarceramento, com as piores taxas de alfabetização, de emprego formal e de renda. Por isso, a RMNPE não parte do zero, mas do reconhecimento de conquistas de quem veio antes, do Movimento Negro Unificado (MNU), e aglutina jovens que chegaram às universidades e as trabalhadoras e empreendedoras das periferias – e essas, especificamente, muitas vezes subestimadas pela esquerda branca.

“Nós somos uma população vitoriosa, porque nós conseguimos não ser eliminadas quando o Estado planejou e executou suas estratégias, então valorizamos a forma como as pessoas resistem, sobrevivem no cotidiano”, dizem elas.

Coletivo Nós por Nós

2016. O Brasil fica chocado com a notícia de um estupro coletivo de uma adolescente praticado por mais de 30 homens. Em Cidade Ocidental, um município do estado de Goiás que faz parte do entorno do Distrito Federal, mulheres se reúnem  para fazer alguma coisa além da revolta.

Assim surge o Coletivo Nós por Nós, que nasce da ideia de mulheres ajudarem outras mulheres, com apoio inclusive emocional e o objetivo de contribuir de maneira positiva para mudanças efetivas na vida de todas. Para além do apoio mútuo, elas se mobilizam em torno de ações efetivas em Cidade Ocidental, com eixos de trabalho, serviços e participação em audiências públicas e conselhos.

O limite da incidência

“Estou na assessoria parlamentar, também é um outro lugar muito inóspito para a gente, a gente presencia cenas de machismo e racismo assombrosas ali naquela Câmara de Vereadores, você fica assim: não é possível.”
Fernanda,
Belo Horizonte

O Estado está presente, mesmo quando não está. Sua ausência nas periferias é visível e planejada, assim como a ausência da periferia nos poderes. É nesse limite, entre o fora e o dentro, que se constrói o entendimento da necessidade de representação dos fazedores nos espaços de tomada de decisão.

“A minha experiência na Campanha Nacional pelo Direito à Educação foi muito rica porque eu vi o que é a incidência política, você, a sua militância ser ali tão perto da Câmara dos Deputados, do Senado, tal, e eu pensava assim, que é muito importante a gente ter pessoas que tenham mão firme para decidir coisas, e que essas pessoas, se elas forem do meu campo, se elas forem do meu lado, talvez elas possam pensar o que é importante defender lá dentro.”
Jéssica, São Paulo

CONHEÇA
AS INICIATIVAS

As periferias são espaços de criação, experimentação e validação de ações para reduzir as desigualdades presentes no dia a dia.

Leia mais >