Direito à Economia e ao Bem Viver
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Os laboratórios de direito à economia e ao bem viver são pautados nas pessoas e no desenvolvimento comunitário para a gestão de recursos públicos e privados. Funcionam como alternativas práticas para a redução das desigualdades.
Empreendedorismo
como ato político
como guerrilha
como sobrevivência
O autoemprego é um meio de sobrevivência, resistência e um catalisador da economia nas periferias. Esse “empreendedorismo de sobrevivência” é uma alternativa de atividade econômica à ausência do emprego formal,, seja por pouca formação educacional, rejeição no mercado ou crises econômicas que atingem primeiro os assalariados de base. f Não se trata de um “empreendedorismo formal”, de oportunidade de mercado, o qual se encontra uma brecha para atuar, mas sim, a necessidade de trabalho e renda urgentes. Moradores das periferias, principalmente moradores de áreas periféricas ocupadas, muitas vezes não possuem comprovante de residência e, por consequência, não existem no sistema, impedindo essa formalização, tornando-os mais uma vez ilegais e invisíveis ao mercado de trabalho. Empreender nas periferias é um ato político.
“Esse corre da minha mãe pra poder me sustentar e tudo e fazer as coisas lá. Ela sempre foi muito arrimo de família, era a filha mais velha e tal. E sempre tinha essa coisa assim de, eu não sabia que o nome disso era empreendedorismo e nem sabia que, por exemplo, isso tinha um caráter político, porque empreender na favela e na periferia é um ato de resistência. Porque nem legalmente as pessoas não podem ter negócios dentro da favela e periferia.”
João, Belo Horizonte
Tradução de linguagem
e desenvolvimento compartilhado
Os códigos de linguagem produzidos e utilizados por grupos que detêm e acessam os recursos são fatores de exclusão econômica. Existe um gap entre as linguagens exigidas pelos editais, mercado de trabalho, meios jurídicos e a linguagem menos burocratizada e usual dos grupos periféricos. Decodificar a linguagem e traduzir processos é um dos desafios na busca por acesso a recursos.
“Eu não vou chegar lá no buraco quente, no terreiro do Ricardo, e falar pras véinha uma análise de conjuntura, não é isto! Eu tenho que chegar pra ela e falar, “Ó tia! É o seguinte, eles vão tirar a pensão da senhora, se o seu marido morrer, a senhora vai ter que ficar só com um salário, porque o outro, o governo vai levar embora.” Aí ela vai entender o que o governo está fazendo com ela…Você tem que facilitar.”
Celinha, Belo Horizonte
A necessidade de atuação em coletivo e em bloco vem da vivência dos fazedores e das bases organizacionais desses territórios, onde a laje das casas é levantada nos finais de semana por todos os vizinhos, onde as crianças crescem juntas nas ruas. A colaboração pelo comum e o crescimento compartilhado fazem parte daqueles que se propõem a criar políticas públicas.
“A gente estava brincando, comparando coworking, e falamos assim: ah, coworking de favela na verdade é o nosso puxadinho, porque você vai ver uma igreja dividindo o mesmo espaço, você vai subir em cima é um boteco, o boteco embaixo, aí do lado é o cara do açaí, e aí o cara vai no boteco, vai no açaí e vai na igreja, então está tudo ali compartilhado, a gente está brincando disso. E também muito com a necessidade de ter um espaço para desaguar tudo o que todo mundo já fazia, então tinha gente de vários coletivos ou projetos ligados à comunicação, mídia, tecnologia, entretenimento, cultura, que precisava de um espaço, e a gente pensava muito nesse espaço ser a favela. Mas assim, tem vários espaços de ONGs e tudo mais, mas tinha uma necessidade também de ter um espaço autônomo, e também que gerasse renda, falar afinal de money, de dinheiro.”
Thamyra, Rio de Janeiro
Ampliar o diálogo dos fazedores nos territórios e, através de intercâmbios, potencializa a transformação e acelera a diminuição das desigualdades.
“A maneira mais efetiva é se tivesse um centro de mídia em cada território, em cada distrito de São Paulo. Um espaço extremamente dedicado à informação. Eu acho que isso sim, a gente estaria indo no calcanhar de Aquiles de quem detém o poder privado, o poder público, porque a informação está aí, e pegando a minha história, por exemplo, eu não sabia o que era um Prouni quando eu saí da escola pública. Só fui descobrir essa política pública cinco anos depois. Esse acesso à informação é o que vai definir o que você vai ser no futuro, é o que vai fazer com que a gente pegue essa desigualdade social aí de uma forma mais brutal, para a gente quebrar essa estrutura.”
Ronaldo, São Paulo
“A gente está abrindo o código dentro da favela para a galera de favela, tendo a periferia como centro, colocando os jovens de favela que já sabem sobre isso, de alguma forma tem alguma projeção, ou tem um caminho de aprendizado para também estar trocando. Porque eu acho que o espelho é o que mais ensina.”
Thamyra, Rio de Janeiro
Ronaldo Matos
Desenrola e Não Me Enrola
A primeira vez que Ronaldo Matos tomou uma atitude para transformar sua realidade foi quando entendeu que a informação tem o poder de fazer com que as pessoas mudem seu modo de vida. Isso aconteceu quando ainda era criança, mas bateu forte mesmo quando Ronaldo já era adulto e trabalhava no setor corporativo.
A inquietação foi o impulso para criar o Desenrola e Não Me Enrola, um coletivo de comunicação do Jardim Angela que tem o objetivo de retratar os fatos socioculturais das periferias de São Paulo. Além da produção de conteúdo, o coletivo também realiza o “Você Repórter da Periferia”, projeto de educomunicação para jovens; o “Congresso de Escritores da Periferia de São Paulo”, que visa destacar a literatura periférica e seus escritores; e, desde 2017, gerencia o “Centro de Mídia e Comunicação Popular M’Boi Mirim”, um espaço aberto à comunidade que abriga um escritório colaborativo, estúdio multimídia de fotografia e vídeo, auditório para palestras e workshops e a redação do portal.
O coletivo faz política, mas principalmente faz o meio de campo para quem busca informação para atuar politicamente também. “Para mim, a principal característica de quem faz política hoje são pessoas que estão abertas ao encontro, a entender outras narrativas, outros contextos, adquirir novos conhecimentos”, completa Ronaldo.
Intercâmbio
As trocas entre os territórios periféricos e os não periféricos são fundamentais para a criação de repertório e estratégias para o acesso aos direitos. O intercâmbio possibilita a vivência daquilo que não é “natural” e “comum” no dia a dia, e que, mesmo sendo direito constitucional, fica restrito a grupos menores e ganha status de privilégios ao se comparar os diferentes níveis de acesso.
“Eu descobri que a minha avó tinha diabetes e que boa parte dos meus amigos também tinham diabetes e que a questão alimentar era fundamental para a resolução destes problemas. A galera que tem mais grana e tem a chance de optar por melhores alimentações e a minha comunidade nem conhece isso, quando eu trago isso para discussões eles falam que é cultural, o pobre come feijão e farinha sabe, aí eu falo meu, tipo tem alguma coisa muito errada aí. Trabalhei nesse lugar durante 1 ano, pedi demissão e todas as coisas que eu via lá eu quis trazer para a minha comunidade e foi aí que surgiu o Saladorama, é uma ideia de mostrar que a alimentação de fato é direito e não é privilégio.”
Hamilton, Recife
“Foi quando eu tive a oportunidade de trabalhar num lugar classe A, eu moro em São Gonçalo, eu morava em São Gonçalo né, que era uma região periférica do Rio de Janeiro, uma comunidade chamada Menino de Deus e aí eu tive a oportunidade de trabalhar na zona sul do Rio de Janeiro, Botafogo e nesse trabalho eu tinha a oportunidade de almoçar, o almoço era por conta da empresa, e como eu achava que todo mundo lá era rico eu imaginei que a comida era espetacular e quando eu cheguei lá eu vi que a galera tinha uma opção alimentar diferente da minha e que reforçava que aquela, aquele alimento era de gente rica e a minha comida era comida de gente pobre, nesse momento eu comecei a entender que eu precisava decodificar essas questões de alimentação para a minha comunidade.”
Hamilton, Recife
Bem Viver como construção de alternativas
O bem viver, remixando ideias registradas no livro “O Bem Viver”, de Alberto Acosta, é o processo de construção de alternativas de economia e subsistência humana conectada com princípios democráticos e com os Direitos da Natureza, amplamente encontrado nas civilizações andinas e indígenas das Américas. Falar de economia nas periferias é falar de mudança da lógica capitalista, que esgota as forças de trabalho e não partilha dos benefícios previstos.
Os laboratórios de direito à economia e ao bem viver nessa pesquisa são iniciativas pautadas na alimentação saudável, hortas, gestão das águas urbanas, mobilidade, alternativas para a redução das desigualdades.
“Eu acho que entra a lógica do capitalismo também a questão de que falta pra gente que está na periferia, que está nessa favela e tal, uma indicação para o consumo. A gente não consegue entender como o consumo é um ato político. Tipo cara, não é o cara que sei lá, mora no Alphaville em São Paulo, mora no Sion ou Belvedere aqui que mantém aí o negócio da Unilever girando, tá ligado? Quem mantém o negócio da Unilever é a gente cara, é a massa que compra sabe? Um negócio é um ato político.”
João, Belo Horizonte
Hamilton Henrique
Saladorama
Comida de rico X Comida de pobre. Isso existe?
Hamilton Henrique morava na Comunidade Menino de Deus, em São Gonçalo (município pobre da região metropolitana do Rio), quando teve a oportunidade de trabalhar em um bairro rico da capital onde o almoço era por conta da empresa. E ali, tinha uma alimentação completamente diferente da que tinha em casa, mais saudável.
Foi nesse momento em que ele entendeu que não fazia sentido sua família não ter acesso a esse tipo de comida e ter de enfrentar problemas de saúde, como diabetes ou hipertensão, por exemplo.
Desse questionamento e aprendizado surge a Saladorama, um negócio social que busca democratizar a alimentação saudável no Brasil como um direito, não um privilégio. Hoje, a empresa discute soluções para isso em várias cidades país afora, como Florianópolis, São Luís e no Recife.
Deixem o Onça Beber Água Limpa
As microrrevoluções e o comportamento
Os fazedores em seus territórios alteram os hábitos culturais daqueles que estão mais próximos através de microrrevoluções, pequenas mudanças no dia a dia das pessoas impactam outras ao redor, criando novas referências e possibilidades comportamentais. As iniciativas integram necessidades básicas e fortalecimento da identidade e cultura do indivíduo. Andar de bicicleta, plantar uma horta, cada movimento pode se tornar uma microrrevolução.
“As possibilidades para pessoas irem e virem pra onde quiserem amplia o pertencimento à cidade, amplia suas ocupações espaciais e territoriais, o lazer, o bem estar, a qualidade de vida. Amplia ainda a possibilidade de criar empreendimentos com a bike, e principalmente para as mulheres periféricas e na maioria negras, ampliarem suas escassas possibilidades de trabalho”
Jô, São Paulo
Um dos reflexos da convivência e criação de novos repertórios como ato político envolve a estética, o reconhecimento de poder e beleza como potencializadores da auto-estima e da valorização desses corpos socialmente marginalizados.
“A coisa da estética foi muito forte. Hoje ela já cortou o cabelo bem curtinho. Dona Isabel, ela até faleceu, mas antes, no processo, ela participou de todo o processo (de entender o cabelo natural), foi lindo com ela. Eu vejo o impacto quando as pessoas, quando os vizinhos tão começando a plantar também. Isso rola muito, da galera começar a ter essa cultura. É, a gente vê que vai disseminando as hortinhas… Troca sementes, troca de mudas.”
Aline, Belo Horizonte
Roots Ativa
Roots Ativa nasce do encontro de amigos para promover a consciência ambiental e gerar renda entre jovens das periferias de Belo Horizonte, a partir da cultura Rastafári.
Coletivo Habitantes
Formado principalmente por mulheres negras e lésbicas, o Coletivo Habitantes promove feiras alternativas e intervenções culturais em Belo Horizonte, gerando renda a jovens artistas locais.
Gestão de rede como recurso
A falta de recursos financeiros é uma questão inerente ligada às desigualdades sociais que os territórios periféricos enfrentam. Mas a colaboração é um recurso valioso no desenvolvimento de projetos e soluções de problemas. O compartilhamento dos equipamentos, tecnologias, serviços e o poder da rede de contatos criam novas possibilidades de autonomia e ainda distribuem a renda no próprio território.
“Na Casa Brota eu vejo duas coisas: o primeiro é o fato de gerar renda para todo mundo que está ali de alguma forma pensando nos projetos e, segundo, que o impacto social pra gente que é pobre e negro é autonomia financeira.”
Thamyra, Rio de Janeiro
“Infelizmente, a gente não tem como, se a gente fosse operar com uma estrutura toda, sei lá pagando por tudo vamos dizer assim, ficaria muito caro. E aí, rede para a gente é essencial para entregar aquilo no qual a gente se objetiva. Com a mão na massa mesmo, são mais de 50 pessoas, de empresas diversas, diversos lugares, vão lá e se dispõem.”
João, Belo Horizonte
Casa Brota
A casa funciona no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, e funciona como um ‘coworking de favela’, com espaço de trabalho de artistas, jornalistas, designers, fotógrafos e outros fazedores da favela, gerando renda e significados.
Militância X Boletos pagos
O encontro entre as pautas de luta e a manutenção da vida é um lugar que está sempre em negociação nas prioridades coletivas e individuais. Quando os fazedores acessam os direitos, se tornam multiplicadores de informação e militantes da causa, pautando e abrindo caminhos para aumentar o acesso do coletivo. No entanto, a necessidade de trabalhar nessa missão entra em conflito com a necessidade particular, familiar, das contas e do dia a dia.
“Eu ser da mídia, eu fazer a mídia é uma coisa que eu sinto como, além de um querer meu, é uma obrigação minha, porque eu tive o privilégio de estudar, de formar em cinema. E aí eu tenho que fazer por onde a mídia que eu trabalho atender o público que não teve esse privilégio, que não pode estar numa faculdade. Eu tenho que pegar a minha câmera, pegar meu trabalho e subir lá Morro do Papagaio e falar: ‘Olha aqui, essa galera aqui está sendo despejada, está sendo despejada!’. E o que a prefeitura falou: ‘Olha, tem aqui R$500 para vocês pagarem um aluguel’. Quem paga aluguel com R$500 tendo três filhos? ‘Ah, então, se você não pode, tem um abrigo para você na prefeitura’. Quem quer sair de casa para ter um abrigo? Quem construiu tijolo por tijolo? É para isso que é minha mídia, é para isso que eu quero minha mídia. Só que isso não paga as minhas contas, o que eu vou fazer? Então, é esse o meu questionamento.”
Natalie, Belo Horizonte
“A gente precisa crescer mas sem morrer de trabalhar. Hoje eu avalio que é importante que a gente amplie os financiamentos por projeto, porque tem questões que nós não vamos conseguir atuar sem esse financiamento. A violência policial e o homicídio por parte do Estado contra jovens negros de periferia é uma pauta central e que a gente não conseguiu atuar ainda de forma contundente porque as famílias não têm recurso para nos pagar.”
Fernanda, Belo Horizonte
Formalização
A formalização das organizações para que seja possível o acesso a recursos financeiros e o próprio reconhecimento de sua existência são problemáticas levantadas. Qual a necessidade real de CNPJ, ou seja, de pessoa jurídica? E como se dá a relação de gestão compartilhada entre os órgãos governamentais e privados quanto às ações desenvolvidas?
“A gente está se formalizando, a gente está tirando estatuto, está tirando CNPJ, tal, e tudo mais… porque para captar recurso é mais fácil. Mas a gente fazer tudo assim, tirando do nosso bolso, é difícil, é pesado, é trabalhoso, o retorno é pequeno. Porque depois de um certo momento atuando, algumas organizações começaram a procurar a gente, não foi o caminho de a gente procurar, foi o contrário, essas organizações procuraram a gente. Então a financiadora internacional entra em contato, fornece um monte de equipamento, um monte de parada, mas é uma instituição, sabe? Tem que prestar conta, tem que assinar documento, tem papelada, e aí, como é que faz se a gente não tem CNPJ, se a gente não é uma pessoa jurídica? Não tem acesso.”
Thainã, Rio de Janeiro
A necessidade de formalização se apresenta de maneira diferente para indivíduos e organizações periféricas. A criação de uma MEI (Micro Empreendedor Individual) é uma possibilidade de acessar trabalhos temporários e produzir dentro do território, como também é um dos mecanismos de precarização dos direitos trabalhistas. Segundo pesquisa realizada pelo SEBRAE em 2013, com dados do IBGE/PNAD, 50% do empreendedores são pessoas negras, 49% brancas e 1% outros. Esses dados nos apresentam que o faturamento e serviços prestados por pessoas negras são, em sua maioria, serviços domésticos, serviços de beleza (cabelereiras, manicures), comércio de cosméticos, vestuário e alimentação, com o faturamento 50% menor que dos empreendedores brancos, que possuem escolaridade maior e acesso à informações e tecnologias.
“A gente não sente (necessidade de formalização) porque eu tenho MEI, todo mundo que tem os seus coletivos têm MEI, então assim, quando é para uma instituição de fora alugar a casa, o MEI de alguém funciona.”
Thamyra, Rio de Janeiro
Hércules Laino, Monique Evelle, Jennifer Rodrigues, Luis Coelho e Tony Marlon
Empreende Aí
Empreender é um ato político?
Direto do Jardim São Luís, no Extremo Sul de São Paulo, Luís Henrique Coelho e Jennifer Rodrigues dão a letra: disputar e ocupar os espaços é a forma de pautar o que as populações periféricas demandam e provocar as mudanças necessárias. Por isso, eles criaram o Empreende Aí, que capacita, acompanha e busca apoios financeiros para jovens criarem os próprios negócios e, assim, gerar renda.
Wellington Amorim, Jéssica Cerqueira, Vanessa Beco, João e Tati
Fa.vela
Inovar não é necessariamente reinventar a roda, mas fazer o que precisa ser feito com o que se tem. E isso tá no cerne do Fa.Vela, aceleradora mineira que nasceu no Morro do Papagaio (Centro-Sul de Belo Horizonte) e hoje estimula e capacita empreendedores em outras favelas de BH a partir das demandas e potências de cada território.
Porém, se a população sabe que garantir o básico já é um grande avanço, isso nem sempre é realidade na política institucional. “O sistema não é feito pra pró-atividade e pra resolução dos problemas. Se um vereador leva uma demanda hoje, vai ter que passar por tantas esferas e afins pra poder virar uma solução, que eu tenho medo do sistema me engolir e me engessar”, aponta João Souza, um dos fundadores do Fa.Vela, com a Tatiana Silva.
Por outro lado, movimentos como as Muitxs, que em 2016 conseguiu eleger duas novas vereadoras na capital mineira sem grana e com muita mobilização, ajudam a oxigenar esses espaços e a mostrar mais uma vez que as dificuldades do cotidiano já indicam os caminhos a serem seguidos. “Inovação política são candidaturas autônomas para as favelas e periferias”, aponta João.
Território como potência criativa
Ao entender o território como potência inventiva e criativa, os fazedores buscam alterar os estigmas que carregam para fomentar a permanência de moradia no mesmo local, já que existe uma grande chance de saída, seja por melhores condições de vida, mobilidade ou mudança de poder aquisitivo.
“As mães da favela, elas tinham uma lógica de que ‘você vai trabalhar, vai arrumar um emprego e tal’ e tipo assim, ‘vai sair daqui’. Entendeu? As mães queriam que os filhos saíssem da favela. Porque não faz sentido. Elas entendem como um lugar ruim. Hoje querendo ou não, da minha geração pra cá, e outras gerações e tudo, a gente consegue reconhecer aquilo como território rico e afins, que você pode produzir muito ali dentro, mas naquela época não.”
João, Belo Horizonte
Reciclação
Reciclação existe desde 2013 e trabalha na construção de um ciclo autossustentável no Morro dos Prazeres, em Santa Tereza. A partir da coleta de materiais recicláveis dos moradores, o projeto vende e reinveste o dinheiro em educação ambiental.
A partir do reconhecimento como potência criativa, novas possibilidades de economia e de qualidade de vida começam a ser pensadas e geradas, diminuindo os deslocamentos pela cidade e aumentando a importância do território.
“No mesmo mês, foi junho se eu não me engano, que teve tiroteio para caramba, sabe, tipo 60% dos dias de tiro, e tínhamos 26 medalhas em esportes: judô, tae-kwon-do. Uma menina no levantamento de peso ganhou um mundial, e um cara que não é do esporte, o cara é o segundo melhor cabeleireiro do Rio de Janeiro, e mora aqui no Complexo do Alemão. A gente vende esse negócio todo e fala, olha só, mesmo tendo tiroteio para caramba, a gente consegue gerar medalha. Por que é que vocês ao invés de investirem em tanque para cá não criam um centro esportivo focado em artes marciais, por exemplo? Pô, seria incrível, primeiro centro de artes marciais feito dentro de uma favela, totalmente de graça, com várias lutas ali. Pô, o pessoal, com tiroteio, sem ter essas paradas já faz o que faz, olha a potência aí, sabe?”
Thainã, Rio de Janeiro
“O nosso público são os moradores. Porque aqui dentro circula muito dinheiro, muito dinheiro, e em outras favelas também, a classe C e D consomem para caramba. Então, como a gente se torna objeto de desejo da galera que gasta muito dinheiro no baile, 100, 200 contos, e que poderia estar gastando isso no Slam? Um dia eu vou levar minha família para comer uma comida ali, e ao mesmo tempo ter um cineclube junto com a comida, ou então um dia de brechó, vou falar de roupa sustentável, mas de forma que atraia as pessoas. Eu acho que esse é o nosso foco e nosso desafio na casa.”
Thamyra, Rio de Janeiro