Direito à Memória, à Educação e à Cultura
“E, na verdade, acho que o fato de você nascer no Brasil, negra, pobre e em periferia, já te chama para a obrigatoriedade natural de ser alguém que resiste a toda sorte de racismo, então a gente já nasce militante, né?”
Celinha, Belo Horizonte
“Eu era um corpo diferente. Muitas vezes um corpo que era esnobado, que recebia piadas entendeu? Era um corpo que servia de escada para alguns alunos, as coisas foram pesando também né. Por que isso acontece? E onde que estava a raiz desse problema, eu sou o problema ou essas pessoas são esse problema?”
Naia, Recife
O resgate da memória para imaginar o futuro
O Brasil é um país construído através de trabalho escravo, negro e indígena. A construção das desigualdades fez parte do modelo de desenvolvimento implementado. Então, o resgate desta origem, daqueles que construíram o país, e o resgate da memória e da ancestralidade para o reconhecimento do processo e identidade é fundamental para imaginar o futuro. Os laboratórios de direito à memória, educação e cultura são as iniciativas que trabalham para garantir esses direitos.
“O que é Política? É aonde tá a classe média alta ou a negrada? Isso é política, eu acordo, eu abro minha porta e a polícia, é a UPP que tá aí? Ou é aquele marzão de Boa Viagem que a classe média abre? Então, política é desde a hora que você acorda, quando você dorme, quando você come é política. Dependendo do que você come, e como come, as tuas condições que dá pra tu comer é política. A política é um negócio muito amplo. E a nossa política é a política cultural, é a política a partir da identidade, da cultura. A partir da transformação social com a cultura a gente melhora a vida das pessoas e a da gente também.”
Beth, Recife
“Os braços negros africanos que enriqueceram o país em todos os ciclos econômicos desde o Século XVI no Nordeste com a cana de açúcar, algodão, desde a questão da extração de minérios, o ciclo do garimpo no Centro-oeste, e no Sudeste com a questão da produção cafeeira… E que aí depois do processo de abolição não há nenhum tipo de estruturação dessa população, porque se pensa o Estado brasileiro com a população negra alheia a esse processo, e aí a população fica sem nenhum tipo de política pública, sem habitação, sem economia, sem moradia, sem trabalho, sem nada”
Tadeu , São Paulo
Museu da Maré
Criado por moradores e movimentos da favela da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, o Museu da Maré concentra ações para registrar, preservar e divulgar a história das comunidades que resistem ali.
O direito à ancestralidade
Várias iniciativas trabalham no direito à memória, à educação e à cultura através de projetos transdisciplinares. A memória reconta a história do Brasil e revela a ancestralidade que conecta cada fazedor com a sua própria história, com seu passado e seu futuro. A ancestralidade é a conexão com essa história, principalmente dos afrodescendentes, muitas vezes acessada pela conexão espiritual com os antepassados e, portanto, com a memória ao mesmo tempo coletiva e individual de cada um.
“Eu tirei o cara do continente dele, eu escravizei o cara, tirei a alma do cara, eu tirei a subjetividade do cara…O cara tá aqui, com identidade! Aidentidade étnica nossa é que nos faz ser isso… eternos. Então, é essa capacidade que o negro traz nisso, de ressignificar, de estar em uma diáspora e viver dessa diáspora. Isso pira o colonizador…”
Ricardo, Belo Horizonte
A memória é a história na linha do tempo, o registro e o lugar. Por meio dela, a subjetividade e a identidade encontram o pertencimento histórico de cada corpo político. Através de seu apagamento, o corpo político perde a conexão com a ancestralidade, sua identidade e seu pertencimento. A história do Brasil é contada a partir do ponto de vista eurocêntrico e colonizador e o apagamento das histórias indígenas, femininas e negras no país revelam a importância do direito à memória.
Como os direitos estão garantidos a apenas alguns, a luta identitária impulsiona a luta pela garantia coletiva desses direitos através do processo de se reconhecer como sujeitos, cidadãos que possuem uma história comum. A memória, a educação e a cultura na construção da identidade estimulam a reconstrução do tecido social.
#reconhecer-se #pertencer-se
“Na verdade não estamos nem no processo de democracia, ainda estamos no processo de sair de um lugar colonial. Eu tenho essa impressão de que a colonização ela não foi resolvida. Entende? E aí, enquanto não resolver a colonização, enquanto não resolver a abolição, a gente não vai conseguir chegar nunca na democracia”
Tadeu,São Paulo
A inovação política se dá no processo de reconhecimento da importância e da valorização das expressões culturais, principalmente as de matriz africana, afrobrasileira, indígena, ribeirinha e caiçara. Exemplos dessas expressões são o candomblé, a capoeira, os museus de memória, a oralidade e tipos variados de registros históricos.
“Infelizmente a trole do Rui Barbosa queimou todos os documentos que podiam nos dar maiores caminhos para ir até a África. Então, todos os documentos de registros desses africanos que vieram para cá privados de sua liberdade para o trabalho forçado, de onde vieram, quem eram, se tinham famílias, que tinham cidades, que tinham região, e que era tudo registrado por uma questão de uma hegemonia política, branca, racista, eles simplesmente apagaram nossa história queimando todos os arquivos dessa população.”
Tadeu, São Paulo
“A museologia comunitária vem romper um pouco isso, criar um espaço pra uma nova museologia. Ninguém quer botar fogo no Louvre, mas na verdade é pelo contrário, é você reconhecer que existe outras formas de trabalhar o conceito de museu e o que ele representa pra população no geral”
Luis, Rio de Janeiro
“Eu também hoje olho no passado e vejo como fez falta eu ter algum parente, algum amigo, um primo que fosse da capoeira, que fosse do candomblé, que me aproximasse mais da minha matriz africana.”
Álvaro, Belo Horizonte
“Tudo que é coisa de pobre, negro, que for da nossa Cultura, é totalmente tratado como nada. Mas o desafio é esse, é permanecer unido, unir a família e a comunidade, porque sem ela não tem sentido.”
Joana, Recife
Maracatu Encanto do Pina
Mestre Joana é uma referência na cultura popular brasileira, sendo a primeira mulher mestra em um maracatu nação como o Encanto do Pina. Também atua diretamente no empoderamento feminino em seu território, envolvendo principalmente as meninas para fazer aquilo que eram impedidas de fazer.
Instituto Cultural Samba Autêntico
Fundado por um grupo de jovens sambistas, o Instituto foi idealizado para pesquisar, cultuar e difundir a história do Samba, em particular o samba paulista.
“Mas é que na verdade, quando se trabalha com memória, museologia, com museu, é um ato político. Extremamente político e militante. Então eu devo, a partir do momentoque eu conheço uma história, seja ela a história da criação da favela, da criação de determinada favela, a história de regiões de quilombolas, ou de ribeirinhos, ou indígenas, eu vou ter uma outra identificação com isso, eu vou ressignificar esse espaço, essa história, esse território, enfim, vou ressignificar isso que eu conheci, estou conhecendo”
Luis, Rio de Janeiro
“Essa questão de voltar para as nossas origens, a gente acabou criando um instituto que a missão é desenvolvimento local, cultural e humano através da arte. A gente encontra o galpão na Cidade Tiradentes e começa a trabalhar essa coisa de desenvolvimento local lá e aí os projetos vão surgindo da necessidade local, mas sempre a ação era artística e cultural.”
Adriano, São Paulo
Os espaços de cultura como os espaços de formação política
Os espaços culturais são espaços de convivência, de oportunidade, de aprendizado e formação livre, de construção de identidade, de subjetividade e de pertencimento. São laboratórios de liberdade de expressão, de prática e de construção de incidência política.
“A teoria de mudança não é teoria, é a prática, começa por aí o que a gente tá fazendo. Não tem teoria, é prática. É fazer o côco, é pegar o microfone da rádio e soltar a voz, é botar a nossa música, é fazer um estúdio pras pessoas entrarem e não ficarem refém dessa produção fonográfica completamente excludente. Que às vezes o mestre nasce, morre de velho como meu pai pombo roxo e outros, outros mestres e não gravam disco, é uma coisa tão elementar. Enfim, é a prática. O que a gente tá precisando mesmo, é de menos teoria e mais prática das pessoas pra mudar o território e mudar o país e mudando sua vida a partir da sua prática, a partir das práticas concretas das pessoas.”
Beth, Recife
“O Manifesto Hip Hop era tipo um processo de mobilização de ir para a rua fazer uma atividade cultural, mas não só cantar rap, mas mobilizar as pessoas para a discussão política do movimento hip hop, que era tipo engajar. Esse é o grande diferencial do hip hop de Minas, que não ficava só na lógica dos quatro elementos do hip hop, da dança, do grafite, do DJ, do break, mas que trazia elementos fortes na discussão política de empoderamento negro, de participação do movimento negro dentro das discussões políticas do município. Então, pensamos até nessa questão… na época a gente criou o Fórum de Juventude.”
Russo, Belo Horizonte
“Pensar a cidade, discutir essa cidade, discutir espaços participativos, discutir orçamento, pela perspectiva do samba que ainda é marginalizado por uma parte significativa da elite paulista ou brasileira.”
Tadeu, São Paulo
“A política que a gente quer formar é de igual para igual, de ter liberdade e, principalmente a liberdade de expressão, que é o que a gente está temendo: ser calado hoje.”
Adelaide, Recife
“O Kalango estava recitando uma poesia que fazia alusão à polícia. Não falava, mas fazia alusão. No caso, o nome da poesia é “Tudo que começa com P não presta”, alguma coisa assim. Então ele falava, falava, e você ficava na expectativa que ele ia falar polícia, mas ele não fala, então fazia alusão à polícia. E os policiais ouviram isso, ele estava falando no microfone, e tiraram ele, revistaram ele, bateram nele, quebraram o instrumento dele de trabalho, que ele trabalha no buzão, e o organizador não fez nada, sabe, viu lá a repressão na frente dele e não fez nada, disse que era trabalho de polícia, e bora continuar o movimento e deixa isso…”
Adelaide, Recife
Monique Evelle, Patricia Naia e Rebecca França
Slam das Minas
“Tudo que eu falo na poesia, poderia falar na Câmara ou no Senado” – Patricia Naia, Slam das Minas (Recife)
A poeta Patrícia Naia é paulistana, mas mora no Recife, onde cursa Letras na Universidade Federal do Pernambuco (UFPE). Ex-estudante de escola particular, foi nesse ambiente em que ela percebeu aos 13 anos que fazia parte de uma minoria – e que isso era algo não estava certo. “Aí, eu comecei a escrever”, recorda-se. E essas escritas ganharam cadernos, foram parar no computador e de lá para um blog.
“Entrou uma parada na minha cabeça de tipo fazer uma literatura voltada para as mulheres, e cada vez mais propiciar espaço onde as mulheres pudessem conhecer a literatura e compartilhar o que elas escreviam”, lembra ela, que em agosto 2017 se juntou a uma amiga para fazer uma versão pernambucana do Slam das Minas, que acontece em São Paulo.
A primeira competição de poesias no Recife, protagonizada apenas por mulheres, superou as expectativas: mais de 300 compareceram ao centro da cidade. O desafio agora é estar onde essas meninas moram, nas periferias, para fazer poesia e buscar uma transformação efetiva. Os versos são sua ferramenta política. “Falta um grito que fica entalado que a gente não tem espaço para falar”, completa.
Adelaide Santos
Recital Boca no Trombone
Adelaide Santos, de 20 anos, está na rua pra mudar. E foi trazida para a rua pelos ecos da poesia.
Depois de quatro anos participando de aulas de artes cênicas e dança afro, ela se apaixonou pelos versos por meio de amigos poetas. Junto ao rap, que também já conhecia, ela começa a relacionar a poesia marginal à sua própria realidade: os problemas dentro de casa, na favela, os amigos que foram presos, outros que foram assassinados.
Adelaide tinha necessidade de falar. E por isso, começou a frequentar o Recital Boca no Trombone, um sarau que acontece semanalmente em uma praça na Água Fria, zona Norte do Recife, e que ela já conhecia mas começou a fazer parte ativamente desde o ano passado. “Foi quando eu comecei a ligar para esse tal de genocídio da população negra e que eu tinha que fazer alguma coisa”, diz ela, que hoje usa a poesia como ferramenta de luta e expressão para intervir na realidade.
Do caderno policial ao caderno de cultura
A cultura e sua capacidade de elaboração e difusão de ideias, narrativas e ressignificação de espaços, corpos e expressões, dá a possibilidade de ocupar esses espaços onde a imaginação política está sempre por um fio. As manifestações culturais periféricas, muitas vezes ocupando os espaços públicos, criam códigos e reacendem a memória e o pertencimento.
“O desafio é você fazer com que a cultura seja protagonista porque num lugar onde não tem a cultura como protagonista, quem vai ser protagonista é a violência (…) O desafio é a gente ter brinquedos e cultura que possam estar na rua porque a rua tem cultura. Ele nasce no terreiro mas se materializa na rua. E é no território que você vai ter que trabalhar essas coisas.”
Beth, Recife
“Na época, esse espaço aqui ocupava no imaginário da comunidade, um lugar muito negativo, porque era um local de desova de cadáver, de prostituição infantil, tinham pontos de vendas de drogas, por exemplo, aqui ninguém queria… Às vezes evitava passar na frente desse espaço, e assim, quando a gente decidiu ocupar, muita gente alertou de não fazer isso porque era perigoso, mas na época todo era mundo muito jovem, tinha vontade de fazer as coisas, então era também muito corajoso. No começo a gente teve que, com muito jogo de cintura, aprender a conviver com as pessoas que conviviam aqui, que eram marginalizadas e começamos a fazer os eventos, semana de cultura, era uma semana inteira de evento de música, teatro, exibição de audiovisual, debates, recitais de poesia. O evento começou a ganhar uma proporção, a gente começou a se articular com outros bairros, o pessoal do alto falante, começou a se articular com esse pessoal e começou a ganhar uma visibilidade. E aí, Peixinhos, que só antes habitava as páginas policiais dos cadernos de imprensa, começou a sair nos cadernos de cultura.”
Daniel, Recife
“Um policial de lá começou a intervir a gente dizendo que não queria mais, que iria morgar de revólver, várias coisas aconteceram. Mas a gente sempre tenta resistir. A gente foi lá conversar com eles e eles entenderam, agora está um rolê calmo, toda terça a gente está lá resistindo, inclusive agora está colando muita gente. O rolê pesado é esse, é a criminalização do movimento mesmo.”
Adelaide, Recife
“Como a minha criação sempre foi dentro do terreiro, no terreiro de candomblé, eu acredito que a gente tem uma educação diferenciada, de olhar mais além. Então, através disso eu sempre estive envolvido em movimentos, em reunir as meninas para a gente sempre fazer algo de que nos impediam de fazer (…) E aí eu fui crescendo, minha bisavó faleceu, a fundadora, e meu pai assumiu o Maracatu Encanto do Pina, e aí junto com ele fui mais a fundo assim, mais presente na organização, na coordenação, e foi quando eu me dei conta no quanto o nosso espaço era limitado enquanto mulher, nosso espaço é limitado, porque dentro da Maracatu não existe a mulher que toca. Você vê, eu nascida e criada dentro desse contexto, nunca me dei conta que eu não poderia tocar o baque do Maracatu.”
Joana, Recife
“Fazer teatro para a gente era contar as histórias verdadeiras daquelas pessoas daqueles territórios, assim… Era uma forma de aproximar as pessoas da arte… então ali eu já estava fazendo política. Eu não sabia, eu achava que eu estava fazendo só arte, mas ali eu já estava fazendo política.”
Veruska, Rio de Janeiro
O direito à educação na diversidade
O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Em 2016, foram 127, uma pessoa trans a cada 3 dias. A expectativa de vida é de 35 anos para aqueles de cor branca, e 26 anos de cor negra, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos. Além da violação do direito à existência, vemos que o direito à educação perpetua a condição de exclusão dessas pessoas.
“Eu demorei para entender que 91% das mulheres travestis de Belo Horizonte não concluíram o segundo grau. Então, como é que eu monto um pré-vestibular sendo que 91% não tem segundo grau?”
Duda, Belo Horizonte
Sem educação se acessa punição, e não direitos
A desigualdade no direito a educação é revelado no acesso ao sistema judiciário. As pessoas que menos acessam os direitos na sociedade têm uma educação deficitária, ou muitas vezes ausente, o que gera a falta de entendimento do sistema judiciário. Mães têm seus filhos presos e não têm assessoria legal e jurídica, e o ciclo de desigualdade se mantém. O sistema judiciário é acessado apenas para punir e quase nunca para proteger.
“Pessoas com condenações malucas, simplesmente porque não tiveram defesa nenhuma, a maioria dos familiares sem entender direito o que estava acontecendo nos processos dos seus filhos, maridos, que seja, irmãos, e ninguém dava conta muito de explicar. Na universidade os estudantes de Direito não são formados para traduzir o Direito em uma linguagem em que as pessoas entendam.”
Nana, Belo Horizonte
Segundo pesquisa do Gemma, os Tribunais Superiores são compostos majoritariamente por brancos (89,9%), havendo baixos percentuais de pretos (1,3%) e pardos (7,6%). Sendo assim, a Justiça opera pela perspectiva não apenas de classe, mas também de raça.
O racismo estrutural e a lei
A lei 10.639/03 existe há 15 anos, é obrigatória, e colabora para a construção e resgate da identidade. O número de pessoas que se auto afirmam negras tem aumentado e a luta pela memória é um possível resultado desse processo, que ainda tem muito o que desenvolver. Muitos professores ainda se recusam a falar de África nas escolas, colaborando para o racismo institucional.
Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
“Essa educação que a gente precisa é não omitir a sua raiz. Tem a lei 10.639/03. Educação na escola mesmo é o que a gente não tem, é totalmente defasada, tudo é defasado.”
Joana, Recife
Movimentos
O Movimentos surge em 2016, na zona norte do Rio, e hoje reúne jovens em diferentes periferias do País interessados em discutir a política de drogas na perspectiva de quem vive a “guerra às drogas”.
A interseccionalidade é um conceito sociológico que estuda as interações nas vidas dos que estão na ponta das desigualdades, entre diversas estruturas de poder. A interseccionalidade é a consequência de diferentes formas de discriminação. No Brasil, é a perspectiva de intersecção entre classe, gênero e cor.
“Porque até então eu estava falando sobre o que é ser da periferia, parece que a consciência de classe e território para mim ela veio muito antes da de gênero e raça. Eu me descobri negra muito tarde, eu sempre me entendi como mulher, mas assim, quais são os desafios e problemática de ser uma mulher negra da periferia? Acho que isso eu nunca tinha verbalizado até então.”
Jessica, São Paulo
“Me levaram para uma festa negra em Olinda, que era uma festa promovida todo ano pelo movimento negro que chamava Noite do Cafuné. E aí eu vivenciei pela primeira vez me reconhecer negra de uma forma valorizativa, positiva. Foi a primeira vez na minha vida né, porque as pessoas negras normalmente se descobrem como negras a partir da dor, a partir da violência, a partir da discriminação e tal. Eu já me reconhecia negra nessas condições, mas naquela noite foi a primeira vez que esse reconhecimento pra mim teve uma coisa de beleza, de positividade e tal.A partir dessa noite eu me envolvi no afoxé, então eu comecei a militância negra não por uma organização política propriamente dita, mas pelo afoxé, e aí no afoxé, por exemplo, eu tive influência direta porque quando eu me aproximei do Alafin Oyó era uma direção de mulheres, era a primeira e provavelmente a única direção de mulheres que o Alafin teve.”
Thaísa, Recife
Prouni e a chegada nas universidades
O Prouni, o Fies e as cotas foram programas públicos bastante citados como processo de desenvolvimento de educação dos territórios periféricos.
O Prouni é o Programa Universidade para Todos, e tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005. O Fies, o Fundo de Financiamento Estudantil, possibilita ao bolsista parcial financiar parte da mensalidade não coberta pela bolsa do Prouni.
Muitos dos entrevistados até 30 anos conseguiram fazer faculdade através do Prouni, enquanto os acima de 30 falam do esforço desproporcional de terem pago cursos privados. A maioria dos fazedores, independente da idade, relata serem os primeiros da família a conseguirem se formar.
“Quem conseguiu um Prouni? Ciência sem fronteira, sair do país, buscar intercâmbio, buscar outros conhecimentos, levar conhecimento também, quem conseguiu Minha Casa Minha Vida, quem conseguiu comprar seu carrinho usado porque teve uma queda no IPI, quem conseguiu entrar na universidade conseguiu, mano, quem não conseguiu já era, vai levar talvez mais 50 anos para a gente conseguir organizar e estabelecer uma ordem em que a gente de fato possa ter pelo menos uma farpinha do que a gente mesmo conseguiu construir, está ligado?
Tadeu São Paulo
“Do lado da minha mãe eu fui o primeiro neto da minha avó que se formou na universidade e da família do meu pai também.”
João, Belo Horizonte
“Nós tivemos uma travesti indígena, ex-pessoa em situação de rua, com histórico no crack, eletrochoque, internações, e tudo mais, e ela passou em ciências biológicas na UFMG, a primeira aprovação na UFMG de uma travesti indígena.”
Duda, Belo Horizonte
“Com 17 anos, eu trabalhava oito horas por dia, era horário integral, carteira assinada, só que estava difícil conciliar isso com a faculdade, porque os horários não batiam. Só que eu não tinha outra escolha, porque eu tinha que pagar metade da faculdade. E aí foi o momento que eu conheci pessoas no meio do meu ciclo que me apresentaram o financiamento, o Prouni. E a minha irmã conseguiu antes de mim e aí mais uma bomba na minha vida, porque minha irmã sendo Prouni, eu não poderia ser Prouni e ela já estava no final do curso, eu tinha que esperar ela terminar para poder continuar o meu curso. Então, continuei trabalhando, o primeiro e o segundo semestre foram totalmente trabalhando até que eu consegui o financiamento do Fies, que também não é lá grande coisa, mas vendo naquela situação era a única forma de estudar. Ou eu estudava daquela forma ou eu não estudava. E aí eu consegui o financiamento do Fies e fui estudar.”
Natalie, Belo Horizonte
Luy, Jéssica Cerqueira e Francisco Aldiney
Cursinho Transformação
Pense rápido: onde está a população trans?
Diante da ausência de pessoas transgêneras, travestis e não binárias nos bancos das universidades, um grupo originalmente da PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) se reuniu para dar aulas e preparar uma população historicamente marginaliza, para ocupar a academia e outros espaços. Entre idas e vindas, conseguiram parcerias com o Centro de Referência da Diversidade da Prefeitura de São Paulo para pagar a passagem, e com a ONG Ação Educativa, onde de segunda a quinta realizam aulas noturnas e ações culturais com esse público.
Para além da formação, hoje o Cursinho Popular Transformação constitui uma rede de solidariedade, com apoio a coletivos LGBTs das periferias da cidade e indivíduos em busca de moradia após serem expulsos de casa pela família.
Para Francisco Aldiney, ao menos por enquanto o Estado não dá expectativas de garantir os direitos plenos das pessoas trans, mas as iniciativas da sociedade civil têm a capacidade de provocar rupturas.
A entrada da diversidade no mercado de trabalho
O corpo político quando ocupa espaços no mercado, altera o mercado.
Quando ocupa a política, altera a política.
O corpo altera o espaço.
Há uma política do corpo, pois é ele que nos define como indivíduo e numa sociedade desigual como a brasileira, o corpo que você tem, define quem você é e até que ponto pode-se participar da política. A ocupação e a presença de corpos oprimidos nos espaços públicos de poder, altera a dinâmica do fazer político. As mulheres, negros e negras, LGBTI, índigenas e pessoas de baixa renda vivenciam a sociedade de maneira diferente e quando fazem política, conscientes de seu papel, agregam outras perspectivas e necessidades para leis e políticas públicas.
“Nós somos isso o tempo todo, a nossa diversidade, a nossa essência, a nossa construção…eu não vou pro terreiro rezar, tocar tambor, eu sou isso o tempo todo!”
Ricardo, Belo Horizonte
“Nó! A empresa de cerveja tá fazendo uma propaganda mais legal. Po, será que é só uma estratégia de marketing ou tem alguém que entrou na Universidade pelas cotas e ta ali problematizando essa questão junto com a turma?”
Bomb, Belo Horizonte
Lá da Favelinha
O Centro Cultural Lá da Favelinha é um espaço independente do Aglomerado da Serra, que busca difundir a leitura e as artes, por meio da Cultura Hip Hop!
Bonobando
Coletivo Bonobando reúne artistas de várias partes da cidade Rio de Janeiro em intervenções nas ruas, vielas, becos e também nos teatros convencionais. Suas produções artísticas retratam suas trajetórias e relação com a cidade, fazendo arte e política caminharem lado a lado.